quinta-feira, 31 de março de 2011

Dente Canino (Kynodontas) - 2009


País de Origem: Grécia

Após um tempo sem mais nenhuma atualização (E dá-lhe tempo), voltarei a partir de agora a atualizar o Cinema Lato Sensu constantemente, pois estou mais tranquilo no momento. Estava uma correria só a minha vida e agora posso dedicar um pouco da minha atenção ao meu humilde blog. E nada melhor que comentar sobre esse peso-pesado grego chamado Dente Canino, dirigido por Georgos Lanthimos, curiosamente ficando entre os cinco finalistas da categoria "Melhor Filme Estrangeiro" do Oscar 2011 (O dinamarquês Em um Mundo Melhor, da Susanne Bier, foi o vencedor).

A educação familiar hoje em dia é muito complicada. Alguns pais preferem deixar suas crianças prontas para enfrentar os perigos da vida, dizendo o que é o certo e o que é o errado. Outros resguardam seus rebentos do mundo exterior, deixando-os cientes de que o ambiente fora da residência familiar é impuro, depravado e violento. Um bebê, uma criança de 2 anos de idade, possui sua mente "vazia", em que será preenchida com todos os conceitos, visões, cheiros, enfim, tudo que ela aprender de seus pais, do colégio, dos amigos e do ambiente que a cerca. Se algum adulto disser que não pode sair de casa, explicando qualquer motivo para tal, uma criança vai aceitar, pois para ela aquilo é errado, de acordo com o conceito recém aprendido. Logo, qualquer definição apresentada a uma criança nessa idade reiteradas vezes vai fazer com que ela torne-se acomodada ou determinada, dependendo do propósito.

O tema principal do filme é a crítica à repressão e superproteção familiar, mas apresentada de uma forma bastante original, bizarra e assustadora. Alguns pais muitas vezes visando proteger seus filhos desse mundo atual cada vez mais louco não percebem que exageram a dose e se tal educação vem desde o berço da criança, ela poderá crescer insegura e tornar-se um adulto ingênuo, incapaz de relacionar-se socialmente sem sofrer consequências drásticas por conta de suas atitudes. E quando elas tomarem conta de que estão agindo de uma maneira errada, rebelarem-se contra aquela educação, pode ser tarde demais. É uma questão de excessos: Nem podem deixar seus filhos totalmente livres, sem prestar atenção em suas ações, nem podem prendê-los demasiadamente.

No filme, uma família vive isolada da cidade, como se vivesse em um outro planeta. O único que ainda vai ao ambiente exterior é o patriarca, que trabalha em uma indústria. Seus três filhos (Um homem e duas mulheres, abaixo dos 30 anos de idade) e sua esposa ficam trancafiados na mansão, em que ficam cercados por um enorme quintal e uma bela piscina. Eles são proibidos de sair e os pais estipulam algumas regras que deverão ser obedecidas: Só poderão conhecer o exterior da residência se for de carro, mas somente quando perderem o dente canino, seja o do lado direito, seja do esquerdo. E para conduzirem um veículo precisam esperar o dente canino nascer novamente. Ou seja, conceitos absurdos e inverossímeis, mas que servem de sátira para o que muitos pais fazem aos seus filhos, impondo condições desmesuradas muitas vezes. O dente canino, nesse aspecto, é um símbolo da tão almejada liberdade que muitos filhos anseiam.


Além disso, os pais ensinam tudo errado aos seus filhos: Dizem que uma saleira chama-se "Telefone", que a vagina é uma lâmpada ou que zumbis são pequenas flores amarelas. Curioso então ver adultos sentados em uma mesa e dizendo: - Mãe, passa o telefone. Ou então: - Encontrei dois pequenos zumbis no quintal. Frank Sinatra é avô dos filhos, de acordo com o patriarca e a letra em inglês da canção (Fly me to the Moon) é traduzida como uma forma de conselho familiar. Simplesmente revoltante o cinismo do pai ao proferir palavras mentirosas. Tudo isso para que seus filhos sejam puros e não queiram conhecer nada que venha desvirtuar suas cabecinhas. A única pessoa que visita a casa é Christina (Anna Kalaitzidou), mulher que trabalha na indústria do patriarca e que satisfaz os desejos sexuais do filho da família, mediante pagamento. Detalhe: A moça vai até a mansão com um tapa-olhos, para não saber onde fica. Óbvio que uma pessoa externa pode tornar-se uma ameaça aos valores doutrinatórios impostos pelos pais terroristas.

Todo esse ambiente bizarro e surreal faz parte de Dente Canino. É difícil se acostumar com tudo aquilo, com os jogos sádicos que os filhos brincam (Colocar o dedo em água quente ou cheirar sonífero: Quem aguentar mais tempo ou acordar primeiro vence, respectivamente), com a crueldade imposta pelos pais (O patriarca é digno de repulsa, já que a mãe, apesar de fazer parte dessa educação diabólica, é submissa) e com toda a violência física e psicológica que o filme mostra. É como se pegasse A Vila, de M. Night Shyamalan e chamasse Michael Haneke ou Lars Von Trier para dirigir. E, de acordo com o site IMDB, Dente Canino é um remake de um obscuro filme mexicano de 1973, chamado El Castillo de la Pureza (Literalmente, "O castelo da pureza").

Interessante notar que a família possui um cão que não obedece ao seu dono, fazendo com que o patriarca o leve para se adestrado por profissionais do ramo. Em determinado momento é dito que os cães podem ser adestrados à maneira que alguém quiser: Podem ser treinados para matar ou para serem dóceis. Só que o patriarca é incapaz de controlar o cãozinho, quando chama-o pelo nome e o animal nem liga para os chamados. Em contrapartida, seus filhos e a própria esposa são tratados como cães (Com direito a latidos e a serem treinados para matar gatos, inimigos perigosíssimos), além de serem completamente fiéis e submissos.

Dente Canino é um verdadeiro tapa na cara do espectador (Um soco no estômago, se preferir), daquele filme que possui cenas inacreditáveis que te pegam de surpresa e que ficam em sua mente por um bom tempo. Há muito a ser dito e debatido que não seria legal debater em um simples blog. As cenas não são chocantes apenas por chocar: Tudo tem um propósito diante de toda a bizarrice, sexo e violência que aparecem no filme. Não adianta se preparar para o filme pois mesmo assim vai se surpreender, sem ficar indiferente. Uma pérola vinda diretamente da Grécia e não recomendada para as pessoas mais sensíveis. Com certeza um dos mais desconcertantes filme que vi no ano de 2011, até o momento.

Nota: 8,5/10.0