quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind) - 2004


País de Origem: Estados Unidos

Às vezes estamos sozinhos. Podemos possuir um alguém que nos ame, mas não conseguimos retribuir, corresponder e nos sentimos sós, com aquele constante sentimento de inquietação mental, emocional. Por outro lado, ocasionalmente, aparece uma pessoa que nos motiva, mexe com nosso comportamento, mostra que a felicidade pode existir. Pode parecer egoísmo, frieza, mas não, o amor não se define. Pode acontecer ao acaso, na maioria das vezes, quando nem esperamos, assim como podemos não sentir amor por alguém que sempre vemos. Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, aclamado e cultuado filme de Michel Gondry, trata sobre esse assunto, sobre a nossa satisfação ao ter alguém especial ao nosso lado e de não querer se desvincular daquela pessoa, mesmo quando a relação desmorona e tem tudo para acabar.

Um dos motivos para o sucesso do filme, além das viscerais atuações de Jim Carrey e Kate Winslet é a forma como a história de um lindo casal é contada, sem uma narrativa linear, indo e vindo no tempo, nas memórias dos personagens, viajando pelos seus subconscientes. Como duas pessoas se conhecem e como elas se separam, mesmo que o amor seja mais forte. Brigas sempre existem, discussões então, nem se fala. Mas nada pode separar um amor de verdade e a originalidade do roteiro de Charlie Kaufman transforma a obra em algo gostoso de se assistir.


Quem já não sofreu uma grande desilusão amorosa e quis esquecer tudo aquilo? Voltar ao status quo ante? Infelizmente ninguém criou um engenho capaz de apagar as nossas memórias, apagar pessoas da nossa mente da noite para o dia. O sofrimento, o tempo e uma nova pessoa para amar são os remédios para curar essa dor. E é esse desespero que aflige os personagens do filme. Clementine Kruczynski, vivida por Kate Winslet com uma intensidade de cores capilares e impulsividade, é alguém solitário, assim como Joel Barish (Jim Carrey), cujas feições já mostram um sujeito infeliz, introspectivo e insatisfeito, amorosa e laboralmente falando. Não é difícil que se entendam quando se conhecem e surge aí uma esperança na vida dos dois. Um amor verdadeiro, mas sempre capaz de passar por obstáculos inerentes a qualquer tipo de relação.

Joel vive um namoro sem graça e isso reflete no seu comportamento. Já Clementine é alguém vivaz, cujo comportamento reflete-se através da mutação de seus cabelos. Ora está vivendo uma "Ruína Azul", ora está sendo uma "Agente Laranja". E por vezes passa por uma "Revolução Verde". É uma mulher em constante metamorfose, indomável. Os dois mundos pessoais dessas pessoas se chocam ao acaso, porém tudo que começa tem o seu fim para que possa ter a possibilidade de acontecer um recomeço.

Joel descobre que Clementine o esqueceu e fica desesperado. Como aquela pessoa que ele amou tanto no outro dia olha em seus olhos e não o reconhece? Descobre-se então que o Dr. Mierzwiak (Tom Wilkinson) criou uma terapia que faz esquecer todas as memórias boas e ruins da pessoa amada. E Clementine passou por isso. Quando Joel decide fazer o mesmo procedimento, ao reviver todas as memórias que teve com sua amada, prefere não ter que apagar todos os resquícios daquele amor. E foge dentro de sua mente, em uma verdadeira perseguição, escondendo-se nos confins do subconsciente para não esquecê-la.

Charlie Kaufman já é um mestre em mexer com o psicológico, em mergulhar na mente humana, mesmo que o resultado saia o mais bizarro possível, como já pudemos observar em outros dos seus roteiros, como Quero Ser John Malkovich, Adaptação e esse filme em comento. E aqui não é excessão: As mentes dos personagens são como labirintos. Portas dão acesso a outras lembranças, há uma urgência em não ficar ali, em fugir para outras memórias, outras partes do cérebro. E a forma como foi conduzida essa loucura merece respeito. Michel Gondry, também co-roteirista, manipula sua câmera de uma forma eficaz. A trilha sonora também entra no clima frio e ao mesmo tempo intenso de toda a película. As atuações também são espontâneas e fortes, com um bom elenco de apoio (Além dos já citados, inclue-se na lista Kirsten Dunst, Mark Ruffalo e Elijah Wood).

No calor da ocasião, quando não temos mais a pessoa amada ao nosso lado, queremos esquecê-la, apagar tudo da nossa mente, mas quando refletimos o quanto foi importante, o quanto aquelas conversas, aquelas memórias vão nos fazer falta, decidimos voltar atrás e correr pelo amor de nossas vidas. É isso que esse belíssimo filme trata, viajando pelos cantos mais remotos da mente humana de uma forma original, melancólica e por que não esperançosa? Uma magnífica e criativa obra norte-americana, para ver, rever e refletir, repleta de cenas que passam a ficar na nossa mente e que fazem, claro, com que não possamos sentir vontade de passar por um processo de desmemoriação para apagá-las. Para finalizar, uma frase de Friedrich Nietzsche citada no filme, que resume bem o principal tema do longa:

"Abençoados os que esquecem, porque aproveitam até mesmo os seus equívocos"

Nota: 9.0/10.0

quinta-feira, 31 de março de 2011

Dente Canino (Kynodontas) - 2009


País de Origem: Grécia

Após um tempo sem mais nenhuma atualização (E dá-lhe tempo), voltarei a partir de agora a atualizar o Cinema Lato Sensu constantemente, pois estou mais tranquilo no momento. Estava uma correria só a minha vida e agora posso dedicar um pouco da minha atenção ao meu humilde blog. E nada melhor que comentar sobre esse peso-pesado grego chamado Dente Canino, dirigido por Georgos Lanthimos, curiosamente ficando entre os cinco finalistas da categoria "Melhor Filme Estrangeiro" do Oscar 2011 (O dinamarquês Em um Mundo Melhor, da Susanne Bier, foi o vencedor).

A educação familiar hoje em dia é muito complicada. Alguns pais preferem deixar suas crianças prontas para enfrentar os perigos da vida, dizendo o que é o certo e o que é o errado. Outros resguardam seus rebentos do mundo exterior, deixando-os cientes de que o ambiente fora da residência familiar é impuro, depravado e violento. Um bebê, uma criança de 2 anos de idade, possui sua mente "vazia", em que será preenchida com todos os conceitos, visões, cheiros, enfim, tudo que ela aprender de seus pais, do colégio, dos amigos e do ambiente que a cerca. Se algum adulto disser que não pode sair de casa, explicando qualquer motivo para tal, uma criança vai aceitar, pois para ela aquilo é errado, de acordo com o conceito recém aprendido. Logo, qualquer definição apresentada a uma criança nessa idade reiteradas vezes vai fazer com que ela torne-se acomodada ou determinada, dependendo do propósito.

O tema principal do filme é a crítica à repressão e superproteção familiar, mas apresentada de uma forma bastante original, bizarra e assustadora. Alguns pais muitas vezes visando proteger seus filhos desse mundo atual cada vez mais louco não percebem que exageram a dose e se tal educação vem desde o berço da criança, ela poderá crescer insegura e tornar-se um adulto ingênuo, incapaz de relacionar-se socialmente sem sofrer consequências drásticas por conta de suas atitudes. E quando elas tomarem conta de que estão agindo de uma maneira errada, rebelarem-se contra aquela educação, pode ser tarde demais. É uma questão de excessos: Nem podem deixar seus filhos totalmente livres, sem prestar atenção em suas ações, nem podem prendê-los demasiadamente.

No filme, uma família vive isolada da cidade, como se vivesse em um outro planeta. O único que ainda vai ao ambiente exterior é o patriarca, que trabalha em uma indústria. Seus três filhos (Um homem e duas mulheres, abaixo dos 30 anos de idade) e sua esposa ficam trancafiados na mansão, em que ficam cercados por um enorme quintal e uma bela piscina. Eles são proibidos de sair e os pais estipulam algumas regras que deverão ser obedecidas: Só poderão conhecer o exterior da residência se for de carro, mas somente quando perderem o dente canino, seja o do lado direito, seja do esquerdo. E para conduzirem um veículo precisam esperar o dente canino nascer novamente. Ou seja, conceitos absurdos e inverossímeis, mas que servem de sátira para o que muitos pais fazem aos seus filhos, impondo condições desmesuradas muitas vezes. O dente canino, nesse aspecto, é um símbolo da tão almejada liberdade que muitos filhos anseiam.


Além disso, os pais ensinam tudo errado aos seus filhos: Dizem que uma saleira chama-se "Telefone", que a vagina é uma lâmpada ou que zumbis são pequenas flores amarelas. Curioso então ver adultos sentados em uma mesa e dizendo: - Mãe, passa o telefone. Ou então: - Encontrei dois pequenos zumbis no quintal. Frank Sinatra é avô dos filhos, de acordo com o patriarca e a letra em inglês da canção (Fly me to the Moon) é traduzida como uma forma de conselho familiar. Simplesmente revoltante o cinismo do pai ao proferir palavras mentirosas. Tudo isso para que seus filhos sejam puros e não queiram conhecer nada que venha desvirtuar suas cabecinhas. A única pessoa que visita a casa é Christina (Anna Kalaitzidou), mulher que trabalha na indústria do patriarca e que satisfaz os desejos sexuais do filho da família, mediante pagamento. Detalhe: A moça vai até a mansão com um tapa-olhos, para não saber onde fica. Óbvio que uma pessoa externa pode tornar-se uma ameaça aos valores doutrinatórios impostos pelos pais terroristas.

Todo esse ambiente bizarro e surreal faz parte de Dente Canino. É difícil se acostumar com tudo aquilo, com os jogos sádicos que os filhos brincam (Colocar o dedo em água quente ou cheirar sonífero: Quem aguentar mais tempo ou acordar primeiro vence, respectivamente), com a crueldade imposta pelos pais (O patriarca é digno de repulsa, já que a mãe, apesar de fazer parte dessa educação diabólica, é submissa) e com toda a violência física e psicológica que o filme mostra. É como se pegasse A Vila, de M. Night Shyamalan e chamasse Michael Haneke ou Lars Von Trier para dirigir. E, de acordo com o site IMDB, Dente Canino é um remake de um obscuro filme mexicano de 1973, chamado El Castillo de la Pureza (Literalmente, "O castelo da pureza").

Interessante notar que a família possui um cão que não obedece ao seu dono, fazendo com que o patriarca o leve para se adestrado por profissionais do ramo. Em determinado momento é dito que os cães podem ser adestrados à maneira que alguém quiser: Podem ser treinados para matar ou para serem dóceis. Só que o patriarca é incapaz de controlar o cãozinho, quando chama-o pelo nome e o animal nem liga para os chamados. Em contrapartida, seus filhos e a própria esposa são tratados como cães (Com direito a latidos e a serem treinados para matar gatos, inimigos perigosíssimos), além de serem completamente fiéis e submissos.

Dente Canino é um verdadeiro tapa na cara do espectador (Um soco no estômago, se preferir), daquele filme que possui cenas inacreditáveis que te pegam de surpresa e que ficam em sua mente por um bom tempo. Há muito a ser dito e debatido que não seria legal debater em um simples blog. As cenas não são chocantes apenas por chocar: Tudo tem um propósito diante de toda a bizarrice, sexo e violência que aparecem no filme. Não adianta se preparar para o filme pois mesmo assim vai se surpreender, sem ficar indiferente. Uma pérola vinda diretamente da Grécia e não recomendada para as pessoas mais sensíveis. Com certeza um dos mais desconcertantes filme que vi no ano de 2011, até o momento.

Nota: 8,5/10.0